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terça-feira, 15 de junho de 2010

O Poeta Doido, O Vitral e a Santa Morta

Era uma vez um Poeta


Que vivia num Castelo,

Num Castelo abandonado,

Povoado só de medos...





- Um Castelo com portões que nunca abriam,

E outros que abriam sem ninguém os ir abrir,

E onde os ventos dominavam,

E donde os corvos saíam,

Para almoços

Que faziam

De mendigos que caíam lá nos fossos...





Havia no Castelo, ao fim dum corredor,

(Um corredor grande, grande,

Frio, frio,

Como abóbadas sonoras como poços)

Um vitral.





Era um vitral singular...





E é bem verdade que ninguém sabia

O que ele ali fazia,

ao fim daquele corredor,

Naquela parede ao fundo,

Aquele vitral baço e quase já sem cor.





Nem o Poeta o sabia...





Nem o Poeta o sabia,

Muito embora noite e dia

Meditasse

No vitral quase sem cor

Que estava pr'ali na sombra

Do fundo do corredor -

Com ar de quem aguardasse...





Quando, a meio da noite, o Poeta acordava,

Levantava-se e, até dia, delirava.

Era a hora do Medo...





E passeava, delirando, pelos longos corredores,

Descia as escadarias,

Corria as salas.





Sob os seus pés, as sombras deslizavam.

Pelos recantos, os fantasmas encolhiam-se.

E, devagar, bem devagar, no escuro,

Portões abriam-se, e fechavam-se, e gritavam sem rumor.





O Poeta só parava

Diante do tal vitral,

Ao fim do tal corredor...





E sonhava.





Sonhava que, para lá

Daqueles doirados velhos,

Daqueles roxos mordidos,

Que morriam

Sobre o fundo espesso e negro,

Havia...





Mas que haveria?





Qualquer coisa bem ao perto

Que o chamava de tão longe...!



E, mudo, ali ficava até ser dia,

Enquanto os ventos, lá fora,

Fingiam mortos a rir...

Enquanto as sombras passavam...

Enquanto os portões rodavam,

Sem ninguém os ir abrir!





Mas, um dia,

- Eis, ao menos, o que dizem -

O Poeta endoideceu.





E, fosse Deus que o chamasse

Ou o Diabo que lhe deu,

(Não sei...)





Sei que uma noite, a horas desconformes,

O Doido alevantou-se nu e lívido,

Com os cabelos soltos e revoltos,

A boca imóvel como as das estátuas,

Os olhos fixos, sonâmbulos, enormes...





Pegou do archote,

Desceu, escada a escada, a muda escadaria,

Seguiu pelo corredor.





Em derredor,

As sombras doidas esvoaçavam contra os muros.

Lá muito longe, o vento era um gemido que morria...





Ao fim do tal corredor,

Havia

O tal vitral.





E, de golpe,

Como dum voo em linha recta,

O Poeta-Doido ergueu-se contra ele,

Direito como uma seta...





A cabeça ficou dentro,

O corpo ficou de fora...





E os verdes, os lilases, os vermelhos da vidraça

Laivaram-se de sangue que manava,

E que fazia,

Nas lájeas do corredor,

Um rio que não secava...





Mas, no instante em que morria,

Abrindo os olhos,

- Olhos de tentação divina e demoníaca -

O Poeta pôde ver





.... E viu:





Viu que, por trás do vitral baço, havia

Um nicho feito no muro.

Dentro, iluminando o escuro,

De pé sobre tesoiros e tesoiros,

Estava

Certo cadáver duma Santa

Que fora embalsamada há muitos séculos...





E a Santa, que o esperava,

Despertou,

E, sorrindo-lhe e curvando-se, beijou

A cabeça degolada.





José Régio, in Poemas de Deus e do Diabo

1 comentário:

  1. PERGUNTA.
    Caro Presidente da CMM, sabendo que dispõe o registo de mais de 380 colectividades que
    perpassam os mais variados quadrantes da nossa sociedade, de carácter recreativo, culturais
    juvenis, infantis, de solidariedade Social etc. etc. etc. e dispondo a nossa cidade do nosso
    espaço o Constantino Nery, porque será que ainda não vimos nenhuma peça teatral (matosinhense)
    ser realizada nesse mesmo espaço?
    Porque se recorre sistematicamente a grupos fora da nossa cidade, asfixiando assim as respectivas
    Colectividades teatrais do nosso Concelho.

    Saudações Marítimas
    José Modesto

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